"Quero fazer da minha existencia lesbica feminista a produção crítica de mim mesma e do mundo!"

(frase criada por várias lésbicas feminista do Brasil- Marylucia Mesquita, Luanna Marley, Kaká Kolinsk...)

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

CARTA ÀS/AOS DEPUTADAS/OS DA COMISSÃO DE SEGURIDADE SOCIAL E FAMÍLIA

CARTA ÀS/AOS DEPUTADAS/OS
DA COMISSÃO DE SEGURIDADE SOCIAL E FAMÍLIA

Desde o início da atual legislatura em 2007, a Câmara dos Deputados tem sido palco da atuação de parlamentares que têm dedicado seus mandatos a uma crescente perseguição e criminalização das mulheres, propondo verdadeiros retrocessos legislativos. Muitos desses parlamentares compõem a atual Comissão de Seguridade Social e Família. Entendemos que a apresentação de proposições legislativas que limitam os direitos sexuais e reprodutivos colocam em risco a vida e a saúde de milhares de mulheres por todo o país.
Importante recordar que desde a década de 90 o Brasil teve importantes avanços no campo da saúde das mulheres e dos direitos sexuais e reprodutivos, consoantes com os compromissos assumidos pelo estado Brasileiro junto às Nações Unidas. Referem-se especialmente à necessidade de buscar a redução dos elevados índices de mortalidade materna resultantes do aborto realizado em condições de insegurança e risco; à atenção humanizada às mulheres vítimas de violência sexual; o acesso aos métodos contraceptivos modernos de livre escolha das mulheres, e, por fim, reconhecer a capacidade das mulheres exercerem suas decisões no campo da saúde e sexualidade.
A Conferência Internacional de População e Desenvolvimento do Cairo, de 1994 e a Quarta Conferência Mundial das Mulheres de Beijing, de 1995, por exemplo, afirmaram os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Os documentos internacionais originados nestas conferências – o Programa de Ação do Cairo e a Plataforma de Ação de Beijing – são diretrizes para ações governamentais na área da saúde sexual e reprodutiva. O governo brasileiro, quando assinou tais documentos, passou a assumir um compromisso político de alcançar as metas ali previstas. O parágrafo 106 K da Plataforma de Ação de Beijing, de 1995, dispõe que “os governos devem considerar revisarem as leis que contém medidas punitivas contra mulheres que realizaram abortos ilegais”.
Os órgãos de supervisão e monitoramento do cumprimento dos tratados internacionais pelos Estados do Sistema das Nações Unidas já vêm se posicionando sobre questões de saúde sexual e reprodutiva, em especial quando se refere ao aborto inseguro ou realizado em condições de risco para a vida e a saúde das mulheres. O Comitê de Direitos Humanos da ONU, no seu Comentário Geral nº 28 sobre a igualdade entre homens e mulheres dispôs que “O Estado pode falhar em respeitar o direito das mulheres à privacidade relacionando às questões reprodutivas, por exemplo (...) quando os Estados impuserem uma obrigação legal sobre médicos e outros profissionais de saúde para reportar casos em que as mulheres realizaram aborto.” (parágrafo 20)
Neste sentido, a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, em seu artigo 2 (g) determina que todos os países derroguem disposições penais nacionais que constituam discriminação contra a mulher. A discussão sobre o aborto deve ser pautada nos dispositivos constitucionais e no disposto nos tratados e conferências internacionais de direitos humanos das Nações Unidas, conforme acima mencionado.
Por todo o exposto, no ano de 2010, em que se comemora o centenário do 8 de março, Dia Internacional da Mulher, e em que o Brasil elegeu uma mulher para Presidente da República, novamente causa-nos enorme preocupação a pauta da Comissão de Seguridade Social e Família desta quarta-feira, dia 08 de dezembro, por atentar contra os princípios constitucionais e compromissos internacionais assinados pelo Brasil.
Constam na pauta cinco projetos de lei relativos à interrupção da gravidez que, se aprovados, conforme propõem seus relatores, darão um passo a mais para a criminalização e discriminação das mulheres no Brasil.
PL nº 831/2007 (item 63) dispõe sobre a exigência para que hospitais municipais, estaduais e federais implantem um programa de orientação à gestante sobre os efeitos e métodos utilizados no aborto, quando este for autorizado legalmente. A proposta representa mais uma tentativa de restrição dos direitos das mulheres já conquistados. Uma mulher que procura o Sistema Único de Saúde para realizar um aborto nas condições permitidas em lei – risco de vida à mãe e estupro – perderia um tempo valioso de atendimento e socorro se parasse para assistir vídeos ou receber orientação religiosa. Além disso, uma mulher que procura atendimento para realizar um aborto legal já tomou o tempo que julgou necessário para ponderar sobre sua situação e, como adulta consciente e autônoma de seus atos, pôde tomar sua decisão. Significaria subestimar a capacidade de reflexão e decisão de uma mulher submetê-la compulsoriamente a orientações externas não solicitadas. Por fim, este projeto cria mais uma etapa burocrática a ser cumprida pela mulher para ver seu direito a um aborto legal garantido. Ademais, as normas técnicas do Ministério da Saúde, em especial a de “Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes” e a da “Atenção Humanizada ao Abortamento”, refletem o reconhecimento do governo brasileiro de que as mulheres em processo de abortamento ao procurarem os serviços de saúde devem ser acolhidas, atendidas, informadas e tratadas com dignidade, e têm por objetivo reduzir a mortalidade materna.
PL nº 2.185/2007 (item 74) altera o art. 7° da Lei n° 9.263, de 12 de janeiro de 1996 (Lei de planejamento familiar), de modo a proibir a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros nas ações e pesquisas de planejamento familiar. Na verdade, o projeto visa impedir qualquer recurso para organizações brasileiras que lutem pelos direitos das mulheres no sentido do avanço da legislação em direitos sexuais e reprodutivos bem como na implementação de políticas públicas em saúde sexual e reprodutiva.
PL nº 2.504/2007 (item 81) cria o cadastro obrigatório de gravidez em todas as unidades de saúde, com o deliberado intuito de controlar a autonomia reprodutiva das mulheres, buscando como objetivo final a criminalização de mulheres que tenham praticado o aborto. O inciso IV do PL se refere a “dados probatórios para a comprovação do aborto” e explicita tal intenção de obtenção de provas para a prática do aborto através do cadastramento obrigatório e viola diversos princípios constitucionais, tais como: o princípio da intimidade e da privacidade (artigo 5º, inciso X); o princípio da presunção da inocência (artigo 5º, inciso LVII); o princípio da boa fé que deve reger as normas legais, já que parte do pressuposto que as mulheres gestantes são criminosas em potencial. Além disso, viola o direito de não produzir prova contra si, bem como o direito ao segredo médico e à confidencialidade, pois obriga o médico a cadastrar a paciente para fins de prova de aborto. Ou seja, impõe publicidade a uma relação que é privada e particular, porque estabelecida em confiança, a um profissional da área de saúde. Além disso, viola a Resolução nº 1.605/2000 do Conselho Federal de Medicina que desobriga os médicos a fornecerem prontuários médicos e informações que possam criminalizar pacientes.
PL 3.204/2008 (item 98), que propõe a obrigatoriedade de se estampar, nas embalagens de produtos para detecção de gravidez, a advertência “aborto é crime: aborto traz risco de morte à mãe; a pena por aborto provocado é de 1 a 3 anos de detenção”. O projeto fere o direito humano de ter acesso ao conhecimento científico e à informação sobre a reprodução humana, coagindo as mulheres do exercício do direito de escolha, bem como reforçando uma perspectiva punitiva contrária aos acordos internacionais assinados pelo Estado Brasileiro.
Por fim, causa ainda preocupação o PL 4.594/2009 (item 133), que dispõe sobre o sepultamento e o assentamento do óbito em caso de perdas fetais. O projeto também merece rejeição conforme parecer da relatora, Deputada Jô Moraes, pois é inócuo, já que a dignidade do tratamento das perdas fetais está sendo observada na legislação e regulamentos sanitários do Brasil, pois em todas as situações os destinos previstos são o sepultamento, a incineração ou a cremação.
Entendemos que todas essas propostas e muitas outras que tramitam nesta Comissão atentam aos direitos humanos das mulheres e estão na contramão dos objetivos democráticos propostos para este Parlamento. Levando em consideração todo o exposto, solicitamos aos/às parlamentares dessa Comissão um esforço no sentido de evitar a aprovação dessas proposições legislativas, seja solicitando a retirada de pauta ou o pedido de vistas das propostas, seja contribuindo para a rejeição desses retrocessos legislativos na Comissão de Seguridade Social e Família.
Contamos com o apoio de V. Exª para que os direitos sexuais e reprodutivos de nossa sociedade sejam implementados e respeitados.
 Atenciosamente,

Jornadas pelo Direito ao Aborto Legal e Seguro
Redes e Articulações
Associação Brasileira de ONGS - ABONG
Articulação de Mulheres Brasileiras - AMB
Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras – AMNB
Católicas pelo Direito de Decidir- Brasil
Centro Latino-americano de Sexualidade e Direitos Humanos/CLAM
Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher Brasil/ CLADEM Brasil
Fórum de Mulheres do MERCOSUL
Liga Brasileira de Lésbicas – LBL
Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia/ MAMA
Movimento de Adolescentes do Brasil
Rede de Homens pela Equidade de Gênero/ RHEG
Rede de Mulheres no Rádio
Rede Jovens Brasil Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos/RJB
Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos/RFS
Relatoria de Saúde da Plataforma pelos Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais/Plataforma DhESCA
Secretaria Nacional de Mulheres Trabalhadoras da CUT
União Brasileira de Mulheres/UBM

Organizações

Ações em Gênero Cidadania e Desenvolvimento/AGENDE (DF)
Associação Cultural de Mulheres Negras/ACMUN (RS)
Associação Lésbica Feminista Coturno de Vênus (DF)
Bamidelê Organização de Mulheres Negras da Paraíba (PB)
Casa da Mulher Catarina (SC)
Casa da Mulher 8 de Marco (TO)
Centro da Mulher 8 de Março (PB)
Centro de Atividades Culturais Econômicas e Sociais/CACES (RJ)
Centro Feminista de Estudos e Assessoria/CFEMEA (DF)
CEPIA Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação, Ação (RJ)
Coletivo Feminino Plural (RS)
Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde/CFSS (SP)
Coletivo Leila Diniz - Ações de Cidadania e Estudos Feministas (RN)
Coletivo de Pesquisas sobre Mulher da Fundação Carlos Chagas (SP)
Comissão de Cidadania e Reprodução/CCR (SP)
Criola (RJ)
Cunhã Coletivo Feminista (PB)
Ecos Comunicação em Sexualidade (SP)
Fórum de Mulheres Cearenses (CE)
Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense (PA)
Fórum de Mulheres de Pernambuco (PA)
Fórum de Mulheres de Salvador (BA)
Grupo Curumim - Gestação e Parto (PE)
Grupo de Mulheres Negras Malunga (GO)
Grupo de Teatro Loucas de Pedra Lilás (PE)
Grupo Feminista Autônomo Oficina Mulher (GO)
Grupo Transas do Corpo (GO)
Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero/ANIS (DF)
Instituto Mulheres pela Atenção Integral à Saúde e aos Direitos Sexuais e Reprodutivos/IMAIS (BA)
Instituto Papai (PE)
Instituto Patrícia Galvão Comunicação e Mídia (SP)
Ipas - Brasil
Jovens Feministas de São Paulo (SP)
Maria Mulher Organização de Mulheres Negras (RS)
Mídia Radical (DF)
Movimento de Mulheres do Nordeste Paraense/MMNEPA (PA)
Movimento do Graal no Brasil (MG)
Movimento Popular da Mulher/MPM
Mulheres em União Centro de Apoio e Defesa dos Direitos da Mulher (MG)
Mulheres Jovens Trocando Idéias (MG)
MUSA - Programa de Estudos em Gênero e Saúde (BA)
MUSA Mulher e Saúde (MG)
Núcleo de Juventude do CEMINA /REDEH (RJ)
Núcleo de Pesquisa em Gênero e Masculinidades / UFPE
Rede ARACÊ
Rede de Desenvolvimento Humano/REDEH (RJ)
Rede de Mulheres Negras (PR)
SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia (PE)
Themis Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero (RS)

Militantes Independentes:

Alcilene Cavalcante / SP
Ana Paula Portella / PE
Angela Maria Teixeira de Freitas / RJ
Carla Batista / BA
Carmen Campos / RS
Claudia Vasconcelos / PE e BA
Dulce Xavier / SP
Elinaide Carvalho / PB
Eleonora Menicucci / SP
Magaly Pazello / RJ
Rulian Emmerick / RJ
Sandra Valongueiro / PE
Silvia Dantas / PE
Lícia Peres/RS

Frente Nacional pelo Fim da Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto

ARACÊ - Mobilização em Direitos Humanos, Feminismos e Transexualidade

CNDM – Conselho Nacional dos Direitos da Mulher

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

CARTA dos MOVIMENTOS de MULHERES para a I CONFERÊNCIA MUNDIAL sobre o DESENVOLVIMENTO de SISTEMAS UNIVERSAIS de SEGURIDADE SOCIAL

CARTA dos MOVIMENTOS de MULHERES para a  I CONFERÊNCIA MUNDIAL sobre o DESENVOLVIMENTO de SISTEMAS UNIVERSAIS de SEGURIDADE SOCIAL

Brasília, 02 de dezembro de 2010,

No Brasil, o direito universal à proteção social, tal qual estabelece a Constituição de 1988, conquista dos movimentos sociais brasileiros, não é uma realidade para todas e todos no País. Milhões de trabalhadoras e trabalhadores seguem sem direito à previdência social, sobretudo mulheres e população negra,indígena, portadoras de deficiências e demais segmentos da classe trabalhadora hoje nos postos mais precários e informais.

 O SUS é constantemente ameaçado por propostas privatistas e pelo déficit de orçamento. Os direitos previstos na política de assistência social também não são garantidos a todas aqueles(as) que dela necessitam e o SUAS ainda encontra obstáculos à sua efetivação. O orçamento da seguridade social é drenado ano a ano para gerar superávit primário o que reduz as possibilidades de ampliar direitos e cumprir com o caráter redistributivo da seguridade social no País.
Estamos às portas de um novo governo e é hora, novamente, de estarmos nas ruas denunciando esta situação e visibilizando nossas lutas e propostas em defesa de uma seguridade social pública, universal, solidária e redistributiva.  Não basta promover o desenvolvimento sem garantir a redistribuição da riqueza que é produzida por todos e todas nós: pescadoras, trabalhadoras informais em vários setores e atividades, no campo e na cidade trabalhadoras precarizadas, catadoras, ambulantes, extrativistas.

 Somos milhões de mulheres, a grande maioria de nós negra, em situação de desproteção social. A seguridade social é uma das principais políticas redistributivas e capazes de enfrentar o abismo da desigualdade e da injustiça social, de gênero e racial em nosso País.
Somos trabalhadoras informais das cidades, somos mulheres negras, trabalhando em condições precárias e insalubres, sem proteção social porque estamos à margem do sistema contributivo de previdência social: catadoras, ambulantes, feirantes.  Somos donas de casa, que realizamos o trabalho que sustenta o mundo e até hoje segue sem reconhecimento de seu valor e seus direitos; Somos trabalhadoras domésticas, vivendo relações de trabalho marcadas pela discriminação, a grande maioria sem acesso à previdência, e ainda hoje com 27 direitos a menos que as demais categorias de trabalhadores(as).

 Somos trabalhadoras do campo que produzimos a grande parcela dos produtos que alimentam nosso país, com nossos direitos constantemente ameaçados e muitas vezes não reconhecidos e sem acesso pleno à saúde. Somos mulheres feministas que lutamos contra a superexploração de nosso trabalho pelo capitalismo patriarcal e racista, por nosso autonomia econômica e pelo fim das desigualdades que fazem de nós mulheres aquelas que trabalham demais mas têm direitos de menos!

Neste contexto, os movimentos de mulheres articulados no Fórum Itinerante das Mulheres em Defesa da Seguridade Social – FIPSS, desde 2007 estão em permanente mobilização, por todo o Brasil, em defesa da proteção social ao trabalho das mulheres, da população negra e dos segmentos hoje inseridos nos setores mais precários do mundo do trabalho e totalmente submetidos à mais absoluta desproteção.

 Durante esta Conferência, nós mulheres do FIPSS estamos mobilizadas noAcampamento das Mulheres, representadas por diversos estados brasileiros e da região latinoamericana. Convocamos a sociedade, governos presentes, delegadas/os, movimentos sociais para que se somem à nossa luta pela necessidade de proteção social de nosso trabalho; pela defesa dos princípios de universalidade, solidariedade, equidade da seguridade social como um sistema capaz de redistribuir renda em nossos países, sem destituir direitos, enfrentando as desigualdades estruturantes de gênero, raça/etnia e classe. 


Fórum Itinerante das Mulheres em Defesa da Seguridade Social

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Carta de Santarém - Fórum Social Pan Amazonico

Aconteceu agora, de 26 a 29 de novembro, no Pará o Fórum Social Pan Amazônico. Infelizmente nós do Ceará não conseguimos nos organizar para estar presentes, mas diversas mulheres da AMB estavam lá, hospedadas em uma linda Casa Feminista, reunindo muitas mulheres negras, quilombolas, indígenas, lésbicas do campo, da cidade e principalmente da floresta para refletir, se encontrar e propor novos rumos para a nossa sociedade e nossas florestas.
Segue abaixo a linda carta final, produzida por todas e todos que estavam presentes:


Carta de Santarém - Fórum Social Pan Amazonico

Temos uma utopia: A construção de um continente sem fronteiras, a Aby- Ayala, terra de muitos povos, iguais em direitos e solidários entre si. Uma terra livre de toda opressão e exploração.
A vida em harmonia com a Natureza é condição fundamental para a existência de Aby-Ayala. A Terra não nos pertence. Pertencemos à ela. A Natureza é mãe, não tem preço e não pode ser mercantilizada.
Compreendemos que Aby-Ayala deva ser construída a partir de estados plurinacionais que substituam o velho estado centralizador, patriarcal e colonial, dando à luz a novas formas de governo, onde a democracia se exerça de baixo para cima, seguindo a máxima do mandar, obedecendo, onde exista um diálogo de saberes e culturas, onde cada povo seja livre para decidir como quer viver.
A participação plena e igualitária das mulheres é uma condição fundamental na construção das novas sociedades. Da mesma forma a proteção integral das crianças, como portadoras do futuro da Humanidade.
A Terra, nossa casa comum, se encontra ameaçada por uma hecatombe climática sem precedentes na história. O derretimento dos glaciares dos Andes, as secas e inundações na Amazônia são apenas os primeiros sinais de uma catástrofe provocada pelos milhões de toneladas de gases tóxicos lançadas na atmosfera e os danos causados à Natureza pelo grande capital, através da mineração descontrolada, a exploração petrolífera na selva e o agronegócio. Tal situação é agravada pelos mega-projetos, integrantes do IIRSA, como são a construção de hidrelétricas nos rios amazônicos e as grandes rodovias que destroem a vida de povos ancestrais, criando novos bolsões de miséria. Para deter este ciclo de morte é necessário defendermos nossos territórios exigindo o imediato reconhecimento e homologação das terras indígenas, titulação coletiva das terras quilombolas e comunidades tradicionais, bem como o pleno direito de consulta livre bem informada e consentimento prévio para projetos com impacto social e ambiental, preservando assim nossa terra, nosso modo de viver e a nossa cultura, defendendo a natureza e a vida.
Defendemos e construímos a aliança entre os povos da floresta, dos campos e das cidades. Fazem parte de nosso patrimônio comum a luta dos camponeses pela terra, os direitos dos pequenos agricultores a assistência técnica, credito barato e simplificado, e os justos reclamos por saúde, educação, transporte e habitação dignas para todos. Lutamos por uma sociedade sem exclusões, com liberdade, justiça e soberania popular. Combatemos no dia-a-dia todas as formas de exploração e discriminação baseadas em gênero, etnia, identidade sexual e classe social. Particularmente nos esforçaremos para superar a invisibilidade da população afrodescendente nas suas lutas e propostas sobre poder, autonomia e território.
A Amazônia Sul-americana possui problemas urbanos extremamente graves, nesse sentido é fundamental lutar pela construção de cidades justas, democráticas e sustentáveis, adequadas as diferentes realidades desta região, contemplando a diversidade dos atores sociais que vivem nessas cidades.
Na Pan-Amazônia, como em toda a América Latina, enfrentamos o militarismo que atua como mediador entre o colonialismo e o imperialismo. Condenamos a utilização das forças militares, corpos policiais, paramilitares e milícias como agentes repressivos das lutas dos povos, bem como os intentos de se utilizar a Justiça para criminalizar os movimentos sociais, a pobreza e os povos indígenas. Denunciamos a presença de tropas norte-americanas na Colômbia e a reativação da IV Frota estadunidense como ameaças à paz no continente. Repudiamos o colonialismo francês na Guiana e apoiamos os esforços de seus povos para alcançarem a independência. Nos manifestamos contra o golpe militar em Honduras e a ocupação militar do Haiti. Da mesma forma protestamos contra as barreiras que procuram impedir a livre circulação dos povos entre nossos países, defendemos o direito dos migrantes de terem uma vida plena e digna no país que escolherem para morar.
Lutamos por construir países apoiados em economias que mantenham a soberania e a segurança alimentar, que desenvolvam alternativas aos modelos predatórios e extrativistas e que tenham na economia solidária e na agroecologia, pilares na edificação do bem estar social. Para nós os saberes ancestrais são fontes de aprendizagem e ensinamento em igualdade de condições com o chamado conhecimento científico; a democratização dos meios de comunicação uma necessidade inadiável; a liberdade de expressão e a apropriação das novas tecnologias um direito de todos; bem como uma educação que estimule o diálogo, os contatos sem barreiras, os dons e talentos individuais e coletivos que dissemine valores humanos, abrindo caminho para a transformação íntima e social.
Reafirmamos nossa identidade amazônida através de nossas múltiplas faces, honrando a tradição e construindo o novo. Fazem parte desta identidade as línguas originais dos nossos povos e seus conhecimentos tradicionais.
Estes são os nossos compromissos. Devemos transformá-los em ação.
LINHAS DE AÇÃO:
- Lutar pela produção de outras formas de energia em pequena escala, fortalecendo a autonomia e a autogestão da Amazônia e de suas comunidades;
- Realizar campanha pelo reconhecimento, demarcação e homologação das terras indígenas, titulação coletiva das terras quilombolas e de comunidades tradicionais;
- Lutar pela titulação de terras aos trabalhadores do campo e da cidade;
- Realizar campanhas pela aprovação de leis regulamentando a consulta prévia livre bem informada e consentimento prévio para projetos com impacto social e ambiental nos países Pan-Amazônicos;
- Organizar fóruns regionais para troca de conhecimentos e implementação de ações, com organizações de outras regiões, em cada local onde a Mãe Terra esteja sendo agredida, ou ameaçada;
- Participar das redes que investigam a ação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Brasil), contribuindo para obstruir os financiamentos a projetos que destroem o meio ambiente;
- Promover ações articuladas de denuncia e pressão contra projetos de caráter sub-imperialista do governo brasileiro na Pan-Amazônia;
- Unificar as lutas contra a construção de represas hidrelétrica nos rios da Amazônica, em especial as lutas contra Belo Monte, Inambary, Paitzpatango, Tapajós, Teles Pires, Jirau, Santo Antonio e Cachuela Esperanza;
- Realizar encontros e marchas denunciando as diversas formas de opressão, como o machismo, racismo e homofobia, e apresentando as soluções propostas pelas organizações e movimentos sociais;
- Pensar formas de avançar nos processos de debate e avaliação coletiva, incluindo a elaboração de materiais que possam auxiliar nestes momentos;
- Avançar na elaboração de propostas para garantir vida digna a todos os povos da Pan-Amazônia, considerando suas diferenças intra e inter-regionais;
- Mobilizar as sociedades civis Pan-Amazônicas, contra as falsas soluções de mercado para o clima, como o REDD;
- Desenvolver lutas contra o patenteamento do conhecimento das populações tradicionais, que apenas promovem os interesses das grandes corporações transnacionais;
- Mobilizar as organizações contra as estratégias dos governos e das grandes empresas, voltadas à flexibilização da legislação ambiental na Pan-amazônia;
- Lutar pelo reconhecimento legal de “territórios livres da mineração” e de outros empreendimentos, nos ordenamentos jurídicos dos países da Pan-Amazônia;
- Articular a criação do “Dia da Pan-Amazônia”, onde todas as organizações realizem manifestações e discussões conjuntas, chamando a atenção mundial para os problemas ambientais, sociais, econômicos, culturais e políticos que ocorrem nesta região;
- Constituir um centro de comunicação do FSPA, de maneira compartilhada, com a função de interligar os movimentos sociais da Pan-Amazônia, socializar debates e iniciativas de ação;
- Divulgar as ações, discussões e resultados do FSPA nas comunidades, através de uma rede de comunicação;
- Construir uma presença marcante da Pan-Amazônia na reunião do FSM em Dakar, no Senegal, em fevereiro de 2011;
- Inserir o FSPA em redes e articulações que tenham causas comuns;
- Realizar o FSPA de dois em dois anos, em países diferentes, com candidaturas antecipadas que deverão ser aprovadas pelas instancias do FSPA.
Santarém, 29 de novembro de 2010