"Quero fazer da minha existencia lesbica feminista a produção crítica de mim mesma e do mundo!"

(frase criada por várias lésbicas feminista do Brasil- Marylucia Mesquita, Luanna Marley, Kaká Kolinsk...)

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Estivemos no VII SENALE - Seminário Nacional de Lésbicas

De 7 a 11 de maio de 2010, aconteceu em Rondônia, Porto Velho, a Sétima edição do SENALE – Seminário Nacional de Lésbicas e nós militantes do LAMCE estávamos lá, não só assistindo, mas participando ativamente da organização e de todas as discussões.
O Senale é o principal encontro de lésbicas e mulheres Bissexuais do Brasil e lá são deliberadas ações conjuntas para nós enquanto movimento organizado executarmos, principais bandeiras políticas e as pautas que vamos dar maior ênfase nos dois próximos anos.
Acompanhe a Carta de Porto Velho, documento que escrevemos por lá, também algumas fotos e vídeo sobre esse maravilhoso encontro.
CARTA PORTO VELHO
Marcada pela histórica estrada de ferro Madeira – Mamoré, à beira das caudalosas águas do Rio Madeira, os ventos levam folclóricas lendas indígenas como as da Iara, do Boto e do Mapinguari. A poderosa natureza vibra diante das Três Marias, o caldeirão cultural efervesce entre os bairros Esperança da Comunidade e Socialista, pois soam os gritos e as rebeldias de mulheres lésbicas e bissexuais das cinco macrorregiões do Brasil, e assim, diante do sentimento de “Unificação, Fortalecimento e Visibilidade”, realizamos, em Porto Velho – a cidade da Amazônia Ocidental – entre os dias 07 e 11 de maio de 2010, o VII Seminário Nacional de Lésbicas e Mulheres Bissexuais (SENALE).
Há mais de 30 anos nós lésbicas e mulheres bissexuais nos organizamos para a construção de um projeto político coletivo que visibilize nossas reivindicações. Construímos 07 seminários nacionais (SENALE), o primeiro no ano de 1996, na cidade do Rio de Janeiro, sempre na lógica do fortalecimento interno e do crescimento da solidariedade entre ativistas políticas que compõem hoje o movimento de lésbicas e mulheres bissexuais brasileiras, pautadas pelos princípios da ética, da responsabilidade, do respeito, da solidariedade, da horizontalidade, da circularidade, da transparência, do combate ao racismo e todas as formas de opressão, da inclusão e da generosidade elencadas no pacto lésbico feminista, referendadas neste encontro de 2010.
Apesar dos avanços em nossa organização através dos movimentos de caráter nacional, estadual e local, e da forma como atuamos pautando as demandas específicas em conferências, conselhos e grupos de trabalho técnicos constituídos pelos governos, ainda vivemos em uma situação de lesbofobia estatal e institucional, não sendo reconhecidas como sujeitas de direitos e consequentemente, invisibilizadas nas políticas públicas e pelo sistema político.
As transformações ocorridas no mundo, nos planos econômico, social, cultural, político e tecnológico têm acentuado um processo crescente de globalização cuja matriz neoliberal potencializa opressões, contradições e desigualdades sociais.
Os fundamentalismos religiosos, econômicos, políticos e sociais historicamente enraizados em suas múltiplas faces na sociedade, têm contribuído significativamente para a dominação, subordinação e mercantilização do corpo das mulheres, para a não pluralidade, para a criminalização dos movimentos sociais, para o esvaziamento das identidades políticas, naturalizando um processo hegemônico de preconceitos, violências e de opressão.
Acreditamos na necessidade de um projeto político de lésbicas feministas baseado verdadeiramente na autonomia, na liberdade, na autodeterminação e em uma construção coletiva e horizontal, rompendo com as práticas machistas, patriarcais, misóginas, classistas, racistas e, principalmente, lesbofóbicas, homofóbicas e transfóbicas. Consideramos como necessária a desconstrução da heterossexualidade obrigatória e o fim de todas as formas de opressão e violência praticada contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.
Ademais, identificamos no próprio movimento LGBT (lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) práticas que reproduzem e reforçam o engessamento do processo político no movimento, conforme ocorrido na I Conferência Nacional LGBT, onde travestis, transexuais, mulheres bissexuais e lésbicas perderam espaço e representatividade pela utilização do pseudo discurso de defesa da paridade de gênero, retrocedendo nos avanços contra-hegemônicos da construção das identidades políticas como instrumento de visibilidade e democracia participativa.
As fortes reações da Igreja Católica, igrejas protestantes evangélicas e de outros setores conservadores da sociedade brasileira à ampliação do acesso de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, como o a união civil com igualdade de direitos e a adoção por casais do mesmo sexo, previstas no III Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH3), indicam a nítida intolerância e descumprimento de um preceito básico da Constituição Brasileira de 1988, no seu artigo 5º, quando diz que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Apoiamos a manutenção do texto integral do PNDH3 (Decreto nº 7.037 de 2009), conforme publicado em 21/12/2009.
Denunciamos a interferência da Igreja Católica nos assuntos políticos do Estado Brasileiro, laico por princípio, em assuntos que devem ser tratados sob a luz da democracia secular, e não sob a sombra dos fundamentalismos religiosos. É o caso da revisão da legislação punitiva sobre o aborto, recomendação da Plataforma de Ação da Conferência de Beijing, da qual o Brasil é signatário sem reservas, e ponto atacado pelas igrejas no PNDH3. Exigimos que o governo brasileiro cumpra os compromissos com acesso universal aos direitos humanos, tanto os firmados internamente quanto aqueles assumidos perante a comunidade internacional.
No Brasil, a Lei Maria da Penha se tornou um marco legal para os direitos de lésbicas e mulheres bissexuais, tornando-se uma referência legitima enquanto marco político. Porém, expressamos nossa preocupação quanto ao sucateamento da lei e a ausência de políticas públicas que considerem a violência doméstica e familiar entre e contra lésbicas e mulheres bissexuais, reforçadas pelo projeto hegemônico de sociedade.
O PLC 122/06 se tornou ponto principal dos debates públicos pela conquista da cidadania plena LGBT e com isso, propiciou que a sociedade brasileira entrasse para as discussões ditas polêmicas, instrumentalizadas pelas religiões conservadoras e fundamentalistas, como alguns setores das igrejas evangélica e católica.
Esse contexto reflete nas casas legislativas, como o Congresso Nacional, onde diversos projetos que visam a garantia da cidadania LGBT estão em tramitação, porém inertes à vontade religiosa dos políticos desse país, que fere profundamente a laicidade do Estado prevista na Constituição Federal.
Isso nos faz questionar qual modelo de Estado estamos construindo. O que demonstra a fragilidade da garantia do Estado Laico brasileiro e consequentemente, a omissão dos poderes judiciário, legislativo e executivo no processo de interferência das religiões na construção de políticas públicas que efetivem a cidadania LGBT.
Apesar da Constituição Federal, em seu artigo 5°, garantir direito igualitário a todas as pessoas, da Lei 70.434 de 20 de novembro de 1985, que inclui entre as contravenções penais as práticas de atos racistas e da lei 10.639/2003 que torna obrigatória o ensino das histórias da África e afrobrasileira, o racismo institucional e estrutural permeia as nossas relações cotidianas causando tripla discriminação às lésbicas e mulheres bissexuais negras, e nesse sentido é de suma importância trabalhar o enfrentamento do racismo, lesbofobia e da misoginia se constituindo como pautas obrigatórias em todas as agendas políticas.
As violações dos direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais são alarmantes. A criminalização da homossexualidade ocorre em 75 países do mundo. No continente americano, 11 países localizados na América Central e no Caribe, penalizam a homossexualidade com reclusão de 10 anos ou mais, como é o caso do Belize, da Dominica, de Barbados, da Guiana, entre outros.
As discussões acerca da penalização da homossexualidade em Uganda, as recentes torturas ocorridas contra as lésbicas na Argentina, os estupros coletivos e corretivos nos países islâmicos e outros países do mundo, são reflexos da imposição da heterossexualidade.
A atuação e consequente influência do Brasil na pauta dos direitos humanos mundial são inegáveis, por isso reforçamos e exigimos do governo brasileiro, como liderança reconhecida internacionalmente, um posicionamento político contra qualquer tipo de violação aos direitos humanos, principalmente afirmando a sua indignação com as violências cometidas contra a população LGBT.
Recomendamos ao Estado brasileiro que se comprometa formalmente com a adoção e implementação dos Princípios de Yogyakarta sobre a Aplicação da Legislação Internacional de Direitos Humanos em relação à Orientação Sexual e Identidade de Gênero, em todas as suas esferas, como mais uma forma de garantia e promoção dos direitos humanos de LGBTs.
Por isso, reafirmamos a importância da garantia dos direitos sexuais e reprodutivos, da luta antirracista, anticapitalista, antissexista, da autonomia das mulheres e seus corpos, da legalização do aborto, da adoção e da união civil entre pessoas do mesmo sexo, do direito à memória e à verdade, direitos reconhecidos e manifestados nas diretrizes do PNDH3, além do respeito à autonomia e responsabilidade de crianças e adolescentes no desenvolvimento e exercício de sua sexualidade.
Somos negras, brancas, idosas, jovens, pobres, ricas, adolescentes, com deficiência, vivendo com HIV/Aids, ciganas, indígenas, mulheres comuns, anônimas, famosas, religiosas ou não, trabalhadoras, pesquisadoras, desempregadas, mães, filhas, avós, obesas ou magras, somos mulheres que estão e vivenciam os campos e as cidades. E situadas nessa diversidade de identidades, mundos e olhares acreditamos e lutamos por uma sociedade livre de preconceitos, discriminações e com justiça social.








E algumas fotos de Marian Pessah





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